DAVI SCATOLIN & MATHEUS KLEIM
JOGO $UJO
QUANDO ESPORTE, POLÍTICA E ECONOMIA DIVIDEM O CAMPO
1936: Termo novo, prática antiga

Foto: Getty Images
Anéis Olímpicos e estandartes nazistas dividem a paisagem urbana de Berlim, 1936
A última edição das olimpíadas de verão antes da Segunda Guerra Mundial foi realizada em Berlim, capital da Alemanha, no ano de 1936. Ela segue sendo até hoje foco de pesquisas que buscam analisar os paralelos entre política, nação e esporte. De Acordo com Francisco Pinheiro, acadêmico do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra: “O maior megaevento esportivo estudado, do ponto de vista acadêmico, são as Olimpíadas de 1936, por todo seu simbolismo ligado ao regime nazista, pela ligação com a figura de Hitler, e pelo contexto de uma nação como é a Alemanha da década de 1930”.
Convencido por sua cúpula de propaganda, personificada na figura de Joseph Goebbels, Hitler decidiu voltar suas atenções para o esporte, e utilizá-lo como ferramenta ideológica. Hitler e o comando nazista pretendiam apresentar uma versão moderna e pacifica da Alemanha para a comunidade internacional, bem como reforçar uma abertura ao mundo. Para tal, foram realizados investimentos massivos em infraestrutura: obras como um moderno estádio olímpico, complexos poliesportivos e acomodações confortáveis aos atletas foram construídas.
A propaganda e o cinema também estiveram fortemente envolvidos na promoção da competição e seu atrelamento a uma ideologia: os diversos símbolos gregos utilizados em peças publicitárias e cinematográficas pretendiam criar uma relação sólida entre a civilização grega antiga e o povo alemão da época, buscando reforçar o discurso de que os legítimos herdeiros do legado ariano da antiguidade eram os germânicos. Elcio Loureiro Cornelsen da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais desenvolve melhor a intenção nazista em se associar à tradição helênica: “A estratégia principal consistia em atrelar a imagem da Alemanha nazista à Grécia Antiga como 'berço' do esporte olímpico ritualizado, uma vez que a Grécia Antiga desfrutava, e ainda desfruta, de uma imagem edificante entre as nações. Com isso, encobria-se a realidade do 'Terceiro Reich', que era justamente a de alcançar autarquia de guerra por meio de intensa militarização”.
No cinema, o documentário “Olympia” da cineasta alemã Leni Riefenstahl, ganhou destaque e segue sendo até hoje objeto de estudos. De forte estética nazista, a produção audiovisual é dividida em duas partes. A primeira se chama “Festival da Nação” e celebra as competições esportivas, já na segunda parte intitulada “Festival da Beleza”, Riefenstahl buscou focar na estética dos corpos em movimento, valorizando técnica, elegância e força.

Na posição mais alto da pódio, Jesse Owens - o homem negro que recebeu uma medalha de ouro em solo nazista
Foto: OTD
Apesar de casos históricos, comoventes e celebrados pelo forte simbolismo antirracista, como o do afro-americano Jesse Owens (vencedor de quatro medalhas de ouro em provas nobres do atletismo) e do coreano Sohn Kee-chung (que, devido à ocupação japonesa na península coreana, correu e venceu a maratona usando as cores do Japão sob um nome japonês de Kitei Son), a percepção nazista da época considerou os jogos um grande sucesso, tanto organizacional quanto esportivo. A Alemanha foi a grande campeã com 38 medalhas de ouro, e os Estados Unidos ficaram com a segunda colocação geral.
Bem menos presente no imaginário coletivo, as olimpíadas de inverno de 1936, também foram sediadas na Alemanha, na cidade bávara de Garmisch-Partenkirchen. A competição contou com a participação de 28 países. Também serviu ao propósito de fortalecer e promover uma identidade nacional alemã ao mundo, bem como desviar a atenção de controvérsias políticas e ideológicas.
Mesmo com os esforços em promover uma agenda positiva alemã, os jogos olímpicos de 1936 (verão e inverno) conviveram com ameaças de boicotes, devido a denúncias de violações dos direitos humanos e políticas segregacionistas praticadas pelo regime nazista. Algumas delegações recomendaram a seus atletas de origem judaica a não participarem das competições.
Embora o termo sportswashing seja recente, a prática que ele descreve vem sendo adotada por estados, empresas ou pessoas de forma costumeira ao longo da história. Francisco Pinheiro assim define: “Este conceito não é novo, ele é novo do ponto de vista do conceito em si, tal como o termo softpower, que ganhou notoriedade nos últimos tempos, mas se pararmos para analisar historicamente, eles já são utilizados e compreendidos há pelo menos um século de forma sistemática.”
O exemplo das olimpíadas alemãs de 1936, mergulhadas no contexto da administração e do regime nazista, é sem sombra de dúvidas um dos casos mais notórios de sportswashing da história. O quadro de medalhas da edição de 1936 dos Jogos Olímpicos de verão mostra que o objetivo nazista de mostrar ao mundo a superioridade alemã foi atingido - pelo menos na esfera esportiva.
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2008: O gigante de aço se abre ao mundo
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Jens Buettner / EPA
Atletas chineses do Tênis de Mesa ostentam suas medalhas de ouro. No total, foram 100 medalhas conquistadas pelo país.
Pequim em mandarim significa “capital do norte”. Entre os dias 8 a 24 de agosto de 2008, a metrópole milenar chinesa foi também a “capital do mundo". Bilhões de pessoas ao redor do globo voltaram suas atenções para as Olimpíadas de verão, sediadas na China.
Guilherme Bueno é bacharel em relações internacionais pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), fundador do projeto ESRI (Escola Superior de Relações Internacionais) e diretor editorial da revista Relações Exteriores, segundo ele: "Os jogos olímpicos de Pequim, em 2008 foram o grande símbolo do renascimento chinês”.
A cerimônia de abertura foi grandiosa e ambiciosa, buscando reforçar e destacar aspectos da sociedade e cultura chinesas. "A sincronia dos tambores na cerimônia de abertura e a perfeita coordenação entre os dançarinos transmitiam uma imagem de poder e disciplina”, pontua Guilherme.
As obras de infraestrutura esportiva impressionaram, e o principal palco dos jogos, o estádio “Ninho do Pássaro” , chamava a atenção por sua estrutura de aço e ferro entrelaçadas. A imponência dos projetos e dos jogos em si mostrou ao mundo uma nação organizada, competente, emergente e forte.
Fábricas tiveram suas atividades paralisadas, para evitar que camadas
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Foto: Feng Li / Getty Images
Com capacidade para receber mais de 90 mil pessoas em sua inauguração,
o estádio Ninho do Pássaro é até hoje uma maravilha da engenharia e arquitetura
de poluição e fumaça cobrissem a cidade durante os jogos. Questões controversas ligadas à administração ímpar da China, como o delicado status de Taiwan e denúncias de violações de direitos humanos e restrições à liberdade de imprensa, se fizeram presentes em protestos e críticas por parte de governos estrangeiros e grupos organizados.
1980: Guerra Fria nos esportes
O período da Guerra Fria foi marcado por disputas científicas, militares, políticas, econômicas e também esportivas. Em relação a esse último "campo de batalha" trazemos aqui o exemplo dos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980.
Para saber mais sobre essa icônica edição das Olimpíadas assista o vídeo abaixo:

1988: Sportswashing sul-coreano
Oito anos antes dos Jogos Olímpicos de Verão em Seul, civis coreanos foram duramente reprimidos pelas forças estatais do país.
Para saber mais sobre as histórias envolvendo a 24° Olimpíadas da era moderna assista esse vídeo.

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Foto: Getty Images